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Carmen Kemoly: "Nosso lugar é onde a gente quiser"

  • Por Thais Guimarães, da R.E.P
  • 29 de jul. de 2016
  • 5 min de leitura

A revista R.E.P trocou uma ideia com a Carmen Kemoly, jornalista que está mandando ver na cultura hip hop (rap, grafite) em Teresina, mostrando todo o potencial que a mulher negra tem, mas que é invisibilizado em uma sociedade regida pela exploração capitalista, que é racista e patriarcal.


Carmen leva seu som com muita coragem e originalidade e toca o projeto Karma, com nosso colaborador Marcus Sousa, que também é músico. Na entrevista, Carmen falou sobre sonhos, luta, empoderamento, e, claro, ritmo e poesia. Vamos conferir?!


Carmen Kemoly / Foto: Flávio Rebouças

Foto: Flávio Rebouças

Carmen, quando você iniciou no rap?

Então, eu conheci o rap piauiense em 2012, assim que me redescobri negra. Naquela época os movimentos estudantis, do qual eu participava, estavam retornando com força os debates acerca da negritude. Eu comecei a trampar, nesse ano, como correspondente piauiense no Portal baiano 'Correio Nagô', e tinha a missão de fazer com que todos os eventos, debates e ações dos movimentos negros aqui no Piauí , fossem divulgados e ganhassem espaço na mídia. Então eu comecei a procurar aqui tudo que estava relacionado à história, cultura e debates envolvendo a população preta. De cara eu conheci o movimento Hip Hop e vi que, diferente do que eu pensava ou costumava não ver na mídia convencional, o movimento hip hop aqui era fortíssimo, de qualidade nacional e fazia muitas atividades. Vi então que minha missão era grandiosa e comecei a ir a vários eventos, me apresentando pras pessoas, fazendo contatos. Quando vi, não era mais alguém que estava de fora cobrindo notícias, mas me entreguei total ao movimento diante da potencialidade que via nele, seja com as e os Dj's , os b'boys e b'girls no break (dança), ou no grafite e no rap, os dois elementos que eu adentrei de corpo e alma. Então comecei a garimpar a história do hip hop piauiense, seus e suas protagonistas, e me surpreendia a forma de retratar uma realidade tão esquecida que era a das periferias. Comecei então a olhar pra minha própria quebrada (Timon), de maneira completamente diferente, como se tivesse uma venda nos meus olhos e eu começava a retirá-la. Em 2014, me senti mais forte e comecei a tirar da gaveta minhas poesias. Desde criança gostava de escrever, mas não tinha pretensão de tornar isso público. E o rap me mostrou isso, da necessidade de colocar minha voz, principalmente enquanto mulher, pro mundo. Em 2015 fiz uma oficina de Ritmo e Poesia com o Reação do Gueto, que sempre foi muito parceiro em todas as ações, e musicalizei meu primeiro som, Encarceradas. Daí então criei mais gosto.

Qual a importância do protagonismo da mulher negra na música?

É a tentativa e necessidade de cravar nosso espaço, tantas vezes negado na história. De sair dos espaços de submissão, de reclusão e mostrar nossa voz e nossa força. Muitas mulheres já foram invisibilizadas na sociedade em geral e na música é apenas um reflexo. Se ficarmos esperando os homens cantarem nossas pautas específicas, eles não vão fazer. No máximo vão falar da boca pra fora algum pedaço de verso que nos encaixa e rima em sua letra. Mas quem deve protagonizar somos nós. Nós somos quem sabemos o que é ser mulher, o que é ser ridicularizada ou diminuída quando entramos no espaço 'dos homens'. E a gente tem é que adentrar mesmo, tacar o pé na porta e dizer que nosso lugar é onde a gente quiser, é no palco, é nas ruas, é ocupando os muros brancos da cidade, é com o microfone na mão. Além de tudo, é representatividade. As mulheres precisam ver mulheres ocupando os espaços pra sentirem o encorajamento de que elas também podem, as crianças negras também podem, as adolescentes negras também podem, as jovens e as mães de família também super podem, porque nós passamos por diversas opressões durante o dia desde a hora em que acordamos. Somos, as mulheres negras, a maioria das detentas, das prostitutas, das mães donas de casa, das empregadas domésticas, das mulheres de terreiro, das mulheres que perdem seus filhos por repressão policial ou pelo crime. Somos a maioria nas filas do serviço público, seja da escola pra conseguir uma vaga pro filho ou que passa horas pra marcar consulta pra toda a família. Você acha que essas mulheres não tem nada a dizer sobre o mundo, ou melhor, sobre o mundo em que elas vivem?


Foto: Facebook/Arte Urbana

Você já sofreu algum tipo de preconceito no meio?

Com certeza! Os homens não aceitam quando as mulheres querem participar de todos os processos e se sentem no direito de nos agredir, ainda que seja por meio de palavras. E o preconceito vem nos olhares, em pequenas ações, em algumas sabotagens. Quando eles não convidam nenhuma mulher pros eventos, como acontece constantemente, mesmo sabendo que estamos em todos os elementos, vide o show agora em Setembro, do Eduardo (Facção Central), que só no cartaz tem 13 homens e nenhuma mulher, um retrocesso tanto pra quem organizou o evento como pra o movimento em geral. Em março desse ano, no dia 08 de março, eu e uma amiga fomos expulsas de um grupo de hip hop no whatsapp, porque não aceitamos caladas as opressões que os homens estavam proferindo constantemente. Imagine quando vemos as manas do grafite tendo seus trabalhos deturpados nas ruas, com os caras jogando tinta no trampo delas ou passando por cima simplesmente por não gostarem que emitamos nossas opiniões. Isso é muito sério e os caras não querem sentar pra debater nada disso, querem continuar seguindo com seus privilégios.


Foto: Facebook

Fale um pouco sobre o projeto Karma...

O Karma é um experimento musical. É uma composição minha Carmen Kemoly e o Marcus Sousa. Mas Karma, enquanto mensagem que queremos passar, vai muito além disso. Karma é uma ação espiritual, um bate e volta de benefícios e malefícios durante a vida. Nossa mensagem é passada através do rap, querendo transmitir tudo que nosso povo sofre historicamente em todos os âmbitos sociais pelo fato de ser negrx. Então, nosso karma quer propagar o bem, quer vomitar ideias de transformação, de desigualdade, mas de conscientização. Logo, o karma que queremos deixar na história, mesmo que localmente, é de que não devemos nos calar diante de nada. Eu gosto de misturar sons, dos mais variados tipos, e ele, parceiro que me ajuda na parte mais musical, também gosta. Uma vez cantei um som com as meninas do Tambor de Sereia (grupo percussionista de mulheres), sem base no computador ou DJ, só com os tambores, e foi uma experiência incrível. Tive muitas dificuldades de me colocar como MC (Mestra de Cerimônia), de estar rodeada sempre por maioria de homens, de não conseguir me juntar às poucas mulheres pra potencializar a força do nosso som. E mesmo com todas essas dificuldades, não esperei o momento perfeito e fui com quem estava do meu lado, e o Marcus se colocou à disposição, por ser jovem, mas ser um grande músico, mas por compreender também meu processo enquanto mulher dentro do movimento.

O que você tem a dizer para as manas que sonham em fazer rap?

Que elas sigam em frente, mas que principalmente, se auto-organizem, porque é muito difícil encarar esse meio sozinha, e quanto mais juntas estivermos, consequentemente mais fortalecidas estaremos. Que adentremos o freestyle com força, porque pouquíssimas mulheres se encorajam de disputar com os homens, mesmo as que fazem isso em casa, na hora H não sobem no palco. E que sigamos cantando nossas realidades!


Carmen mandando ver no Sarau NegraAtitude


 
 
 

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