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O universo de Messias: Aposentado passa as suas tardes a criar, recriar e musicar

  • Por Marcus Sousa
  • 5 de jul. de 2017
  • 4 min de leitura

Há alguns dias eu havia conhecido aquele que seria o motivo de eu escrever este texto. Quando o conheci, porém, não sabia disso.

Estava tocando pífano numa rua do centro quando um homem parou e ficou me olhando, atentamente. Ele acompanhava o ritmo da música com um pé enquanto segurava debaixo do braço esquerdo uma pasta. Alguns instantes depois ele já havia desaparecido. Continuei tocando até que percebi que o senhor havia voltado, dessa vez com um amigo. Este se apresentou como Seu Messias. É sobre ele que escrevo este texto.

Conversamos sobre música nordestina, e ao final do papo ele me convidou para visitar sua oficina qualquer dia. E realmente fui. Quando cheguei à sua oficina, instalada ao lado de sua casa, imaginei que encontraria um interessante construtor de zabumbas – era só o que eu sabia sobre ele. O que encontrei, porém, foi um rei governando um castelo construído a mão, serrote, cola e verniz.

Manuel Messias do Espírito Santo encontrou na criação e recriação a sua forma de percorrer o tempo. Professor aposentado, não conseguiria ficar em casa sentado assistindo à vida passar. “A minha formação mesmo, eu sou professor. Fiz o curso de artes industriais, naquele tempo que existia esses cursos, antes da reforma do ensino. Agora que sou aposentado do serviço público, já com 68 anos de idade, eu venho pra cá, toda tarde. Sempre estou fazendo alguma coisa. Eu acho que a melhor coisa que você tem que ter é a terapia ocupacional. Mente parada é oficina do diabo, como já dizem”, me explicou enquanto mostrava suas criações.

Seu Messias cria de tudo um pouco: santeiros feitos em telhas e rolos de papelão, pequenas esculturas de arame, zabumbas e surdos, bebedouros para galinhas feitos de garrafa de óleo diesel e instrumentos de sapucaia, sendo estes a sua maior especialidade. Diante de tanta criação, a pergunta que nascia em minha mente era: como começou tudo isso? “Desde jovem que eu me interessava nesses trabalhos manuais, principalmente nessa parte de artesanato. A minha especialidade no artesanato é mais o trabalho na sapucaia. Eu sou cadastrado no Prodart [Programa de Desenvolvimento do Artesanato Piauiense], no projeto ‘Trabalhando com Sapucaia’. É uma planta nativa nossa, dela dá para fazer vários objetos. Eu só uso o serrote e o próprio pó dela. Qualquer coisa que eu vou fazendo, vou juntando um com o outro, um com o outro...”

Enquanto conversávamos, ele me contou sobre as tardes em que recebe visita dos amigos da velha guarda, todos apaixonados por samba, como ele. Perguntou-me se eu conhecia uma escola de samba chamada Sambão e pude ver o brilho em seus olhos ao me dizer que ele havia sido um dos fundadores, junto com alguns amigos. Pandeiros em punho, cantou marchinhas de sua autoria. Depois tentou tocar bandolim, mas reclamou que o instrumento ainda precisava de reparos e que até preferia um bandolim menor.

A conversa ia fluindo ao som de instrumentos e dos seus movimentos por entre centenas de objetos espalhados numa oficina tão pequena. Eu apenas ouvia esses sons, admirado demais para sequer levantar do tamborete em que estava sentado. Ele perambulava pela oficina, me mostrando cada peça, cada detalhe, cada ferramenta.

Eu observava a tudo, meio distraído, quando fui trazido à tona ao ouvir a expressão “rádio calçada”. Neste instante, fui possuído pela mais voraz curiosidade de saber o que era essa tal rádio calçada e como funcionava. Seu Messias, então, tirou de um canto um enorme auto-falante e o pendurou na porta da oficina. Começou a mexer numas afiações, depois apertou uns botões, girou outros, plugou um microfone num aparelho depois o ligou. E então mandou: “Boa tarde, gente. Alô... Boa tarde, boa tarde, gente! Começando a criatividade da rádio calçada. Esta é uma oficina que é a extensão da minha casa, onde guardo todas minhas relíquias, CD’s, onde faço alguns trabalhos. E aqui eu aproveito a oportunidade para mostrar aos amigos quando aqui chegam, falar de samba, falar de carnaval, falar de cultura”.

E continuou falando ao microfone, contando os objetivos e utilidades de sua oficina. Eu não sabia em que freqüência estavam sendo emitidas aquelas informações, nem se havia alguém além de nós dois ouvindo, mas isso não importava. Porque para o Seu Messias, a cultura estava acontecendo ali na sua oficina. De repente, colocou o microfone em mim e começou a me perguntar o que achava sobre arte, oficina, cultura. Os papéis de entrevistador e entrevistado haviam se invertido. Depois despediu-se dos ouvintes e desligou a rádio calçada. Voltou a me contar sobre as coisas que produz e sobre sua afeição pela reciclagem. “Eu sou um compulsivo por coisa velha. Eu vou passando ali na rua, vejo num lixão um pedaço de pau, uma madeira, um ferro, eu apanho e trago pra cá”, explicou, enquanto me mostrava materiais que encontrou pelas ruas do Centro de Teresina. Mostrou-me um boi cuja estrutura foi feita de PVC, com um acabamento impecável. Brilhoso, colorido, exuberante. Pronto para dançar. O brilho do boi, porém, perdia feio para o dos olhos daquela entidade. Porque se deus é criador, então todo criador é um deus.

O tempo, como sempre quando a gente se distrai, é passarinho. Bate asas e voa para longe. A tarde chegou ao fim e a oficina teve de fechar suas portas. Nem preciso dizer o quanto pretendo voltar lá.

 
 
 

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